23 de agosto de 2024
Nos últimos anos, a indústria da perfumaria passou por uma série de mudanças que refletem tanto a evolução técnica quanto a sensibilidade cultural. Uma das transformações mais discutidas foi a transição do termo “família oriental” para “família ambarada”, proposta por Michael Edwards, um dos mais respeitados especialistas em fragrâncias. Gostaria de compartilhar uma análise sobre essa mudança, explorando seus impactos, desafios e como ela se desenrola no mercado atual.
Contexto
Historicamente, o termo “oriental” foi amplamente utilizado para categorizar fragrâncias caracterizadas por notas ricas e quentes, como âmbar, baunilha, especiarias e resinas. Essas fragrâncias são frequentemente associadas a culturas do Oriente Médio, Ásia e África, evocando uma imagem de luxo exótico (até sexual) e mistério. No entanto, à medida que o mundo se torna mais consciente das implicações culturais de termos e categorias, o uso de “oriental” começou a ser questionado.
A The Fragrance Foundation foi uma das primeiras a anunciar que removeria a expressão “oriental” de seu vocabulário, por considerá-la “ultrapassada e ofensiva”. Essa iniciativa foi acompanhada pela British Society of Perfumers, que, em agosto de 2021, publicou uma nota destacando a veia eurocêntrica e o potencial depreciativo da palavra. Esse movimento reflete décadas de debates que expuseram a inadequação de um termo que, além de homogeneizar diversas culturas, reforça estereótipos exóticos e generalistas.
Abro um parentesis: não posso deixar de incluir que esse olhar crítico faz sentido, quando consideramos como outras regiões, tais como o Brasil, também foram historicamente rotuladas de maneira simplista e estereotipada. Durante a época da colonização, o Brasil foi eternamente associado a uma imagem exótica, sexualizada e alegórica. Isso mexe muito com a minha visão de mundo e os esforços em demostrar que o nosso país já evoluiu muito em relação a essa visão limitada e distorcida. Hoje, o Brasil é reconhecido por sua complexidade cultural, diversidade e inovação, aspectos que transcendem as antigas caricaturas.
A Introdução de ‘Ambarado’
Foi nesse contexto que Michael Edwards propôs a substituição de “oriental” por “ambarado”. O âmbar, uma nota central nas fragrâncias tradicionalmente classificadas como orientais, oferece uma descrição técnica que se concentra nas características sensoriais – como o calor e a profundidade – sem se referir a uma localização geográfica específica. Essa mudança visa alinhar a linguagem da perfumaria com uma abordagem mais inclusiva e contemporânea.
Onde já é visto: Marcas renomadas, como Tom Ford e Mugler, já adotaram essa mudança, eliminando o termo “oriental” de suas classificações olfativas de seus e-commerces e utilizando apenas “ambarado” para descrever essas fragrâncias. Essa decisão é um reflexo da crescente conscientização sobre a necessidade de uma terminologia mais precisa e culturalmente sensível.
Impactos no Desenvolvimento e no Mercado
A mudança para o termo “ambarado” trouxe uma série de impactos notáveis na indústria. Para os perfumistas, essa nova categoria abriu possibilidades para explorar o âmbar de maneiras inovadoras, criando fragrâncias que vão além das associações tradicionais. Já no mercado, percebo que a aceitação desse novo termo ainda está em processo de evolução.
A transição exige uma reeducação tanto dos consumidores quanto dos profissionais do setor. Muitos ainda estão familiarizados e confortáveis (absolutamente normal) com o termo “oriental”, o que gera uma certa relutância em adotar a nova nomenclatura. Obviamente, essa relutância faz parte natural do processo de adaptação a qualquer mudança terminológica.
Fico curiosa em saber como você, que trabalha com perfumaria ou é um entusiasta do tema, tem percebido essa mudança? Ela já impactou sua forma de descrever ou entender fragrâncias?
Dúvidas e Desafios que mapeei
Como em qualquer mudança significativa, a transição de “oriental” para “ambarado” não está isenta de desafios. Alguns argumentam que o termo “ambarado” pode não capturar toda a complexidade das fragrâncias que antes eram descritas como orientais. Além disso, existe uma preocupação sobre a preservação da herança cultural dessas fragrâncias, que têm raízes profundas em tradições e práticas culturais.
Sim! É realmente difícil olhar para um Shalimar e não ver um letreiro mental escrito: ORIENTAL
Outro ponto crucial é a necessidade de um olhar crítico e apurado nas análises de negócios e tendências que agora se baseiam em relatórios de fontes que já adotaram o termo “ambarado”. É essencial garantir que essas análises estejam livres de vieses e que a informação fornecida seja fiel à realidade do mercado. Nesse sentido, mesmo as grandes empresas que ainda não adotaram o novo termo precisarão se atualizar e ajustar suas práticas para garantir a precisão e a relevância de seus dados e estratégias.
Imagine um relatório de ranking ou de lançamentos, fazendo-se necessário avaliar todo o portfólio, renomear e retrabalhar a base, me parece insano e inacabável.
Essa hesitação em adotar o novo termo é compreensível, dado o peso que a tradição tem na perfumaria. A indústria é, em muitos aspectos, uma guardiã de legados olfativos, e qualquer mudança em sua terminologia é vista com cautela. No entanto, vejo que a discussão em torno dessa mudança pode abrir caminho para um diálogo mais profundo sobre como honramos as culturas que inspiram nossas criações.
Perspectivas para o Futuro
Ao observar o futuro dessa transição, acredito que a aceitação do termo “ambarado” dependerá de como ele será comunicado e adotado pela indústria. A educação contínua sobre o significado e a importância dessa mudança será fundamental para que tanto profissionais quanto consumidores possam abraçar essa nova terminologia. Isso se acontecer de fato.
A evolução de “oriental” para “ambarado” é uma oportunidade para reavaliar como categorizamos e descrevemos fragrâncias, buscando uma linguagem que seja tanto tecnicamente precisa quanto culturalmente sensível. Embora o processo de adaptação possa ser gradual, acredito que ele refletirá a crescente consciência e respeito pelas culturas e tradições que inspiram o mundo da perfumaria.
E como brasileiros podemos até sermos exóticos de longe e na lembrança dos mais desavisados, mas de pertinho já temos cheiros cosmopolitas com interpretações olfativas que já se apresentaram de forma belíssimamnte complexa e variada, não apenas frutada e exótica.
Termino com uma pergunta: Como você vê essa mudança na prática?
Fontes das citações: