Nos últimos anos, em meio a conversas com clientes e workshops que conduzo e participo, uma pergunta frequente sempre surge:
“Qual a diferença entre uma fragrância de massa, como o mastige, e uma linha prestige, ou até mesmo as fragrâncias de luxo e nicho?”
Essas categorias, amplamente discutidas no universo da beleza e perfumaria, nem sempre são bem compreendidas. Afinal, onde uma começa e a outra termina? E mais importante, como uma marca pode transitar entre elas?
Hoje, quero compartilhar um pouco dessa jornada de forma reflexiva, explorando o que define cada uma dessas categorias e os obstáculos que muitas marcas enfrentam ao tentar fazer essa transição.
Mastige: O Encontro entre Massa e Prestígio
Mastige é a junção de “mass” (massa) com “prestige” (prestígio). São produtos que ficam no meio-termo entre o acessível e o sofisticado, produzidos em grande escala, amplamente distribuídos, mas que tentam passar uma sensação de prestígio. Eles têm embalagens atraentes, fragrâncias bem elaboradas e são oferecidos a preços acessíveis.
No Brasil, temos exemplos claros disso. Marcas como Natura e O Boticário, que dominam o mercado de massa, também criam linhas com um toque de sofisticação, tentando alcançar um público que deseja algo a mais, mas que ainda valoriza o preço. E essa é justamente a mágica do mastige: equilibrar sofisticação e acessibilidade.
Quando falamos de fragrâncias importadas, o conceito é similar. Perfumes vendidos em grandes lojas de departamento e freeshops costumam carregar esse “ar” de exclusividade, mas no fundo fazem parte do mesmo ciclo de massificação. Marcas como Calvin Klein, Rabanne e Carolina Herrera, embora tenham prestígio, ainda se encaixam bem dentro da categoria mastige, por estarem amplamente disponíveis e seguirem essa proposta.
A Dificuldade de Transpor de Massa para Prestige
Agora, aqui surge uma questão interessante: por que é tão difícil para uma marca que nasceu no mastige fazer a transição para o prestige? Parece um movimento natural, mas, na verdade, essa mudança é muito mais complexa do que parece à primeira vista.
Quando uma marca se estabelece no mastige, seu público-alvo está muito bem definido – são consumidores que prezam por acessibilidade, mas também desejam um toque de sofisticação. Migrar para o segmento prestige exige buscar um novo consumidor, mostrar o valor agregado do produto e, ao mesmo tempo, reescrever a história com seus consumidores fiéis. Estamos falando de inovação olfativa, de histórias envolventes e de uma experiência completa que envolve exclusividade, longe de multimarcas e grandes tiragens.
A mudança não pode ser superficial. Aumentar o preço ou trocar o rótulo não é suficiente. O consumidor prestige quer mais: ele quer ser envolvido em uma experiência que começa desde a escolha das notas olfativas e passa pela maneira como o produto é apresentado, o canal de distribuição e o atendimento. Esse caminho exige autenticidade.
Uma estratégia frequentemente observada em marcas que tentam subir de patamar é continuar com práticas de produção em massa, mas tentar vender como se fosse exclusividade. O consumidor sente essa dissonância, e a marca pode acabar perdendo sua autenticidade e credibilidade. Verdade absoluta? Não, mas uma reflexão importante.
Aquisição de Marcas como Estratégia de Transição
Algumas marcas mastige, percebendo as limitações do mercado de massa, optam por adquirir marcas de prestige como uma estratégia de reposicionamento. Isso, em teoria, faz sentido – associar-se a uma marca de prestígio pode abrir portas para novos públicos. Mas, na prática, a transição nem sempre é fácil.
Um exemplo interessante, que foge um pouco dessa transição de mass para prestige, mas explora uma movimentação curiosa, é a compra da Le Labo pela Estée Lauder.
A Le Labo, que nasceu como uma marca de nicho, sinônimo de exclusividade, com suas fragrâncias artesanais e produção limitada. No entanto, após ser adquirida, a Le Labo começou a abrir mais lojas e expandir sua distribuição. Hoje, ainda a consideramos uma marca prestige, mas os sinais de que está se afastando de suas raízes no nicho são claros. A exclusividade que a tornava tão única já não é a mesma, embora mantenha altíssima qualidade e branding que a fez tão conhecida.
Esse movimento é percebido pelos consumidores mais atentos, que valorizavam o status de raridade da marca. Le Labo ainda é desejada, mas sua expansão contínua a coloca mais próxima do prestígio comercial do que do nicho ou luxo verdadeiro. E não há problema nenhum nisso – que fique claro que são escolhas das marcas.
Portanto, quando uma marca mastige (ou prestige) adquire uma marca de um cluster acima (ou abaixo), o sucesso vai depender de como essa aquisição será gerida. Se a identidade da marca for preservada, mantendo-se separada das linhas de massa, há boas chances de sucesso. No entanto, se essa marca for integrada de forma muito próxima à operação de massa, a exclusividade pode se diluir rapidamente, frustrando tanto o público original quanto os novos consumidores.
Prestige: A Porta para o Luxo
Agora, falando sobre o prestige, estamos entrando em um universo onde a exclusividade começa a ganhar protagonismo. Aqui, as marcas investem em matérias-primas mais nobres, embalagens mais elaboradas e distribuições mais seletivas. Embora ainda não sejam tão raras quanto as fragrâncias de nicho, elas já começam a se afastar das massas.
Fragrâncias de marcas como Dior e Tom Ford habitam esse território. Elas trazem sofisticação, são extremamente desejadas, mas ainda são amplamente encontradas em lojas de departamento e perfumarias. Ou seja, são prestige, mas ainda acessíveis a uma parcela considerável de consumidores.
Luxo: O Excepcional
Quando falamos de luxo na perfumaria, estamos falando de algo que vai muito além do preço. Marcas como Creed, Guerlain e Amouage criam fragrâncias cuidadosamente desenvolvidas ao longo de anos, com matérias-primas raras e histórias que conectam o consumidor a uma tradição ou inspiração profunda.
O luxo é escasso. É uma experiência sensorial e emocional que o produto proporciona. O consumidor de luxo não está comprando apenas um perfume – ele está adquirindo uma obra de arte. E isso envolve tempo, processo e um investimento em algo que transcende a funcionalidade de “cheirar bem”.
O local onde essas fragrâncias são encontradas também desempenha um papel essencial na construção de sua identidade e no público que desejam atrair. Marcas de upper prestige ou luxo não estão presentes em locais de grande aglomeração de lojas populares, terminais de transporte ou áreas de alta concentração de pessoas. Esses ambientes não favorecem a atmosfera de exclusividade que essas marcas buscam transmitir.
A escolha dos pontos de venda é cuidadosamente pensada para oferecer não apenas o produto, mas uma experiência que reflete a sofisticação e o valor intrínseco da fragrância. Assim, os espaços onde essas marcas se encontram também ajudam a definir seu público, atraindo consumidores que valorizam a experiência de compra tanto quanto o produto em si.
Nicho: A Última Fronteira
Por fim, temos o nicho. Esse é o território da verdadeira exclusividade. Marcas de nicho como Byredo, Diptyque, Maison Francis Kurkdjian e Serge Lutens são refúgios para quem deseja se afastar das fragrâncias amplamente disponíveis no mainstream.
Essas fragrâncias são artesanais, muitas vezes inusitadas, desafiadoras e criadas para um público específico. Não buscam agradar a todos – pelo contrário, o apelo do nicho está justamente em agradar quem valoriza a exclusividade e a narrativa olfativa.
No entanto, à medida que uma marca de nicho cresce e se expande, ela corre o risco de perder esse caráter exclusivo. Foi o que aconteceu com a Le Labo, que, ao expandir sua distribuição, caminhou para o território do prestige. E esse é o maior desafio para marcas de nicho que buscam crescimento: como expandir sem perder a essência? Em tempo: a mudança de posicionamento não é ruim, trata-se apenas de uma estratégia – novamente, escolhas da companhia.
Reflexão Final
A transição de uma categoria para outra é uma jornada desafiadora, especialmente para marcas que nasceram no mastige e querem ingressar no mundo prestige ou de luxo. Aquisições estratégicas podem ser um caminho, mas o sucesso depende de como a marca será gerida e se a autenticidade será mantida.
Além disso, para quem realmente busca exclusividade, é necessário ir além das fragrâncias amplamente disponíveis. A verdadeira exclusividade está nas marcas que apostam em uma produção mais artesanal, com experiências olfativas únicas e personalizadas.
E quanto mais o ser humano se aprofunda nos conhecimentos sobre perfumaria, mais ele deseja avançar em direção à última fronteira.
Isso acontece porque: A experiência de sofisticação não tem caminho de volta.
A busca pela fragrância perfeita vai além do simples ato de ficar perfumado. Perfumaria é intenção, é escolha, é uma expressão que passa por infinitos caminhos cognitivos e pelo desejo humano de pertencer. É mais que “cheirar bem”, é uma narrativa profunda que conecta memória, desejo e identidade.
Convido você a refletir sobre suas escolhas olfativas e explorar além do óbvio. A perfumaria é uma arte, e, como tal, deve ser apreciada em sua complexidade, história e beleza. A busca por algo que realmente represente quem somos pode ser complexa – mas é justamente essa jornada que torna cada fragrância, cada escolha, uma experiência singular.
Obrigada por vir até o final comigo. 🙂